terça-feira, 10 de julho de 2007

Carmem Simas

Carmem Simas brindou o Moitará com um relato de Orlando Villas Bôas sobre um...Moitará. Na descrição do encontro entre TRUMAÍS e KAMAIURÁS, percebemos que o valor dos bens a serem trocados em um Moitará diferem, e muito, do valor atribuído por nós, os assim chamados civilizados. Leia o relato:


" Não é comum, mas acontece vez ou outra de uma aldeia entrar em crise alimentar. A roça de mandioca, o grande celeiro, é um convite á vara de porcos-queixada, voraz e destruidora. . Os índios trumaís _ língua isolada _ convidaram os kamaiurás _ língua tupi _ para o Moitará (comércio de troca). Nosso acampamento foi o escolhido para o ato.

Os trumaís foram os primeiros a chegar, não iam além de uns vinte ou trinta, homens e mulheres. Os camaiurás estavam mais representados, talvez uns sessenta ou setenta.

Os dois grupos, formando dois semicírculos, ficaram defronte um ao outro, , cada qual num dos lados de um pequeno espaço no pátio do acampamento, que havia sido cuidadosamente varrido.

O primeiro a falar foi Tamapu, chefe kamaiurá, que foi logo dizendo que sua gente ali representada pelos chefes de grupo se dispunha a atender o convite, embora não dispusesse, no momento, de coisas à altura do interesse dos trumaí.

Logo em seguida, Aluari, chefe trumaí, começou falando que sua gente estava atravessando uma situação difícil. Novos numa área de ocupação, vinham se suprindo quase que exclusivamente de peixe. As roças novas haviam sido destruídas por avanços periódicos de varas de porcos-queixada.

Foi aí que uma surpresa confundiu o ambiente Aluari avançou até a área preparada para serem postos os objetos de troca e exclamou:

_ A fome ronda nossa aldeia. Por isso, propomos a troca desta porção de pequi por mandioca.

E depositou na área de troca uma minúscula massa de pequi do tamanho de um grão de milho, voltando para seu lugar. Não houve um só minuto de indecisão. Tamapu avançou, tomou uma migalha da massa e a colocou na boca. E m seguida, ofereceu aos chefes dos grupos de sua aldeia. Não houve quem recusasse, mas era quase uma provação simbólica do pequi. Tamapu, dirigindo-se ao chefe trumaí, avisou:

_Amanhã, aqui mesmo, traremos a mandioca do Moitará.

A reunião foi desfeita. Cada qual seguiu para sua aldeia.

No dia seguinte, logo pela manhã, foram chegando os índios com a carga pesada. Os trumaís lá estavam para recebê-la. A nós coube auxiliar o transporte para a aldeia, nada menos que 800 quilos de mandioca.

Comentando com os trumaís a magnanimidade camaiurá, eles argumentaram:

_Não. Eles comeram o pequi. Foi feito o Moitará."

Penso em quantas pessoas já ouvi dizer que gostariam de participar do Moitará, mas que nunca haviam contado histórias.Então digo:

_Traga sua massa de pequi!


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